assim narra Barack Obama:

...uma noite, enquanto folheava o jornal Village Voice, os olhos de minha mãe se iluminaram com o anúncio do filme Orfeu Negro* (* filme de Marcel Camus-1959 baseado na peça de Vinicius de Moraes, Orfeu Negro foi premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e com a Palma de Ouro de Cannes) que estava em cartaz no centro da cidade. Minha mãe insistiu que fôssemos vê-lo naquela noite; ela disse que foi o primeiro filme estrangeiro que ela já tinha visto na vida.

_ Eu só tinha 16 anos na ocasião_ela nos contou ao entrarmos no elevador._ Havia acabado de ser aceita para a Universidade de Chicago ( vovô não tinha me falado ainda que não me deixaria ir ) e estava lá durante o verão, trabalhando na casa de uma família. Foi a primeira vez que estive realmente sozinha, por minha conta. Nossa, eu me senti adulta. E quando assisti esse filme, pensei que era a coisa mais bonita que eu já tinha visto.

Tomamos o táxi para o cinema. O filme, inovador com seu elenco principal de negros brasileiros, havia sido produzido na década de 1950. O enredo era simples: o mito grego dos amantes desventurados, Orfeu e Eurídice, ambientado nas favelas do Rio de Janeiro durante o Carnaval. Em tecnicolor esplendoroso, e tendo como fundo morros cênicos verdes, os brasileiros negros e mulatos cantavam, dançavam e tocavam violão, com pássaros despreocupados de plumagem colorida. No meio do filme, resolvi que já tinha visto o bastante e virei para minha mãe para saber se ela gostaria de ir embora comigo. Mas seu rosto, iluminado pelo brilho azul da tela, estava tomado por um ar nostálgico. Naquele momento, senti como se uma janela tivesse sido aberta para o seu coração, o coração irrefletido da sua juventude. Subitamente percebi que a representação dos jovens negros, que eu via agora na tela, a imagem inversa dos sombrios selvagens de Joseph Conrad, era o que minha mãe havia levado com ela para o Havaí muitos anos antes, uma reflexão das fantasias simples que haviam sido proibidas a uma garota de classe média branca do Kansas, a promessa de uma outra vida: quente, sensual, exótica, diferente.

…Minha mãe era aquela menina com o filme cheio de belas pessoas negras na cabeça, seduzida pela atenção de meu pai, confusa e sozinha, procurando fugir da clausura da vida de seus pais...